Por que a família é tão questionada hoje? (Parte 1)
- 10/06/2023
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É possível ver em diversos meios de comunicação a dificuldade que tem sido divulgada em aceitar a constituição da família como tem sido ao longo do tempo construída e vivenciada. Um dos itens dessa discussão, entre outros, é a busca pela valorização da pessoa como indivíduo. Aplicando-se isso aos filhos, o que se pretende é afirmar que eles possuem o direito de fazer as suas próprias escolhas, como indivíduos, e não caberia aos pais interferir nesse processo.
Olhando para a história é possível descobrir que o conceito da pessoa como indivíduo se fortalece como algo até não distante na linha do tempo. Michel Foucault, em seu livro “A palavra e as coisas”, nos lembra que o homem (ser humano) é descoberta ou invenção recente. Essa invenção ou descoberta se refere provavelmente ao estado da individualidade humana que foi germinada pelo Iluminismo, um movimento intelectual e filosófico que dominou o mundo das ideias na Europa durante o século XVIII. Foi também conhecido como “Século das Luzes”, um movimento que se antepôs à Idade Média, também conhecida como Idade das Trevas, pelo domínio da Igreja Católica como detentora da verdade e do saber inclusive científico.
No Iluminismo temos, entre outras discussões, a descoberta da individualidade humana, deixando de lado a pessoa como alguém orgânica, isto é, relacionada com seu ambiente - familiar, social, político etc. Assim, o sujeito deixa de levar em conta seus relacionamentos e compromissos sendo um sujeito com direitos e papeis que podem ser construídos a partir de si mesmo.
Em vez de responder ou ter compromissos com seu meio ambiente, o indivíduo terá diante de si o direito de decidir o que desejar e começa seu estágio de ser legislador e juiz de si mesmo. Essa abordagem vai crescendo e tingindo toda sociedade, seu modo de ser, pensar, decidir. Os conceitos dos direitos humanos têm sua origem mais definida desse caminho.
Não podemos deixar de valorizar a descoberta da individualidade, pois isso ressalta a singularidade do sujeito, da pessoa e isso é até confirmado pela identidade única do código genético de cada um de nós. Mas, no caso em que estamos discutindo, sobre filhos-pais- -família, temos algumas implicações que necessitam ser consideradas tal como o levantamento da pergunta: por que filhos necessitam ter a interferência de pais ou quaisquer outras pessoas para decidir o que melhor existe para sua própria vida? O que os pais precisam fazer é dar-lhes condições de sustento e sobrevivência.
O Estatuto da Criança e do Adolescente aponta para o papel do cuidado paterno, sem contudo aprofundar e detalhar, mas se considerarmos que uma criança e até mesmo um adolescente não possui todas condições afetivo- -mentais para conseguir tomar suas decisões com segurança e de forma consequente, caberá aos pais orientar, apontar, dialogar, dar suporte para que seus filhos possam crescer e aprender a tomar suas decisões de forma segura, compreendendo ainda seu papel comunitário, assumindo responsabilidades etc. E tudo isso além do sustento que lhe caberá receber. Aos pais deve ser assegurado também a disciplina (e aqui não estou dizendo a violência disciplinar, pois o lar não deverá ser uma prisão) orientativa, uma vez que a criança, o adolescente está aprendendo a viver e necessita de direção e orientação de modo a assegurar a sua historicidade de modo que, ao crescer, possa olhar em sua trajetória história e ver sua participação eficiente, eficaz e efetiva na construção positiva e perene não apenas de sua vida, mas de seu ambiente.
Temos na concepção bíblica, inúmeros indicativos que asseguram esse papel formativo e discipular dos pais que necessitam ser compreendidos e vividos. Aqui entra outra semente que tem sido germinada, que é a construção social ou cultural do comportamento, que também tem sido uma das principais bases ou fundamentos de diversos temas no campo da Ética e Bioética, tais como a cultura de gênero, abortamento etc.
Em outras palavras, todo comportamento humano é construção social, pois tudo na vida é resultado de uma ação social ou cultural com a intenção de se tornar um hábito que manifeste um conteúdo, um comportamento, que não existia anteriormente. Essa construção social é criada pela sociedade que vai se disseminando e se instalando na maneira e agir, pensar e decidir das pessoas e existe desde que o ser humano existe. A cultura, além de dinâmica, é de origem humana e fruto natural da vivência relacional e social. Há também o que é conhecido como a construção social do conhecimento, que tem sido objeto de estudos pela Sociologia do Conhecimento. No futuro poderemos aprofundar mais isso.
Em outras palavras, somos produto e fruto sempre de construção social, portanto, os valores éticos, os costumes, o estabelecimento do que seja certo e errado dependerá sempre da dinâmica cultural que se move constantemente. Assim, não é possível construir valores universais e atemporais, isto é, a partir dessa concepção não existe de forma definitiva o que possa ser estabelecido como padrão de conduta.
E torna-se fácil estabelecer o que hoje se estabelece que é natural diferenciar entre o conceito de sexo biológico e o de gênero que a pessoa possa individualmente aceitar, mesmo que não seja compatível com sua constituição biogenética. Daí surgindo a diferenciação entre identidade de gênero e identidade sexual, que, nessa concepção, poderão ser diferentes.
Em outra ocasião iremos aprofundar esse tema aplicado aos fundamentos da cultura de gênero. Aliás, falo em cultura e não em ideologia de gênero, pois o tema já se aprofundou a ponto de não ser apenas uma ideologia, mas cultura. Infelizmente, o tema já se tornou tão bélico e guerreiro, que quem pensa diferente é etiquetado de preconceituoso, mas aqui não se trata de preconceito (apenas porque penso diferente), mas um conceito, uma concepção diferente. É um direito constitucional apresentar algo que é produto de minha consciência, desde que respeite quem pensa diferente.
No caso da família como construção social, o ponto é que hoje devemos demolir todo seu conceito que foi construído no linha do tempo, pois o momento histórico-social de hoje já não aceita mais a família como foi concebida, especialmente dentro da visão judaico-cristã.
Pois é, que somos construção social não podemos negar, mas que necessitamos saber até onde será possível legitimar a construção social se torna algo necessário para que sobrevivamos como raça humana. Assim, como legitimar o holocausto? Como legitimar a escravidão, a segregação em suas mais variadas formas (étnica, racial, feminina)? Como legitimar o tribadismo (retirada do clítoris, em algumas culturas) para que a mulher não tenha prazer sexual? Daqui há pouco a construção cultural e social vai acabar legitimando a pedofilia como uma orientação sexual plenamente válida, ou mesmo o adultério (poliamor), o incesto etc. etc. etc.
Onde vamos parar? É possível viver sem valores que possam nos dar segurança? No terreno acadêmico descobrimos que com a Hipermodernidade as metanarrativas desapareceram (Lyotard), isto é, em linguagem simples, as narrativas que davam conta de explicar o mundo desapareceram e cada um que cuida de decidir o que melhor achar. E nesse meio de caminho tentou-se ressuscitar Aristóteles com o conceito de felicidade (Eudaimonia) em que cada um deve fazer bem o que desejar desde que se sinta feliz. E, então, vamos legitimar criminosos que se sentem realizados e felizes em cometer latrocínio? Corruptos que ficam felizes em seguir a “lei de Gerson!” tirando vantagem de tudo?
Ao longo do tempo, atuando no campo da Ética e Bioética, acabei desenvolvendo um ensaio desenhando uma série de princípios que chamo de “Ética Mínima” que podem ser compreendidos por qualquer pessoa independentemente de sua condição, opção política ou mesmo religiosa. É um processo em construção e espero transformar em um artigo para esta coluna em breve.
Então, como resolver o tema da construção social ou cultural do comportamento, da ética, das decisões? Seremos prisioneiros eternos disso? Como evitar as consequências graves e funestas que temos visto no registro histórico sobre essa abordagem? Mesmo porque não há como rejeitar essa construção, ela é real e existe. Como compreender a família como um ambiente seguro e fértil para o desenvolvimento humano na construção da história de vida e da sociedade?
Voltaremos no próximo artigo para dar um caminho, até lá veja o quanto a sua vida é construção social ou cultural e veja se há algum meio de tirar as algemas disso.
Desejando entrar em contato: rega@batistas.org
Instagram: @lourencosteliorega
Lourenço Stelio Rega
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Luiz
17/09/2023
Grato pelo texto. Se puder me enviar algo mais, fico grato. Luiz