Orações no leito de morte
- 02/01/2024
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Por Layla Fischer
09/08/2023.
Na UTI.
Sons de aparelhos e gente falando.
Corredores que pareciam emitir um único convite: venha e se angustie conosco.
Então era ali? Onde a tristeza se escondia e se apossava dos corações? Onde canções de alegria eram abafadas pelos ruídos e gritos de dor? Era ali onde os sorrisos se desmanchavam até se reduzirem ao silêncio inquietante?
Pois os rostos cansados revelavam que qualquer alegria parecia ter definhado. E necrosado. Só havia a impossibilidade da fuga, os questionamentos acerca do mal e do sofrimento, a procura por qualquer descanso.
E, então, a senhora.
Cujo corpo inchado ainda funcionava, com o auxílio de máquinas e fios. Visitada pelas muitas dores, que habitavam seu corpo febril, ela permanecia inerte e dormia. Provavelmente há algum tempo.
Ali, no leito, já não fazia mais diferença se no outro dia haveria sol ou chuva. Se foi dona de casa ou escritora de best-seller. Se tinha muitas ou poucas rugas e linhas de expressão. Se a novela terminou bem ou terminou mal.
Enquadrados pela espera, a morte encarava a todos. E esperava o momento do abraço. O fim.
O bipe irritante do aparelho ainda soava e ninguém sabia quando cessaria. Os muitos tubos entravam por suas veias e canalizavam mais desesperança, mais sofrimento.
E então, o Santo Livro foi aberto e algumas palavras foram direcionadas ao filho, que permanecia ao lado da cama, com os olhos fitos no chão.
“O Senhor é o meu pastor e nada me faltará. Não vai faltar sustento, mas também escassez; não vai faltar alegria, mas também tristeza. Mas ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte, não temerei, pois Ele está comigo. Ele segue sendo o meu Senhor e o meu pastor”.
Ali, demos nossas mãos, circundando o leito, e recitamos a oração do Senhor. Na esperança de que o corpo frágil escutasse e, mesmo que inconscientemente, orasse conosco.
E naquele momento, é como se naquele leito eu não visse mais a senhora, mas o Cristo sofredor e debilitado. Que também padeceu de humanidade. E que me lembrou que a esperança um dia esteve num cadáver.
Mas a morte não o conteve, pois, apesar de sua importância, era só mais um elemento.
Talvez essa tenha sido a melhor forma de mostrar que ela – a morte – é apenas o portal para o começo da verdadeira vida, a vida eterna. E que ao mesmo tempo parece questionar-me: “Por que você se preocupa tanto com essa vida? Ela é só um nó numa corda infinita”.
Essa era a verdade que perfurou o medo e a incerteza a respeito do fim. Expulsos sem muito esforço, ao som de bipes frequentes.
Um último olhar foi direcionado à senhora e, junto com ele, uma última oração.
E logo dormiu, de fato. Com o Cristo vitorioso sobre a morte. E que a abraçava, vibrante de alegria, no outro lado da imensidão.
Fonte: https://ultimato.com.br/sites/jovem/2023/11/07/oracoes-no-leito-de-morte/